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Avaliação de desempenho no serviço público: por que depende de lei complementar?

Servidora analisando relatórios durante avaliação de desempenho no serviço público

Avaliação de desempenho: o debate que sempre volta

De tempos em tempos, o debate sobre avaliação de desempenho no serviço público volta à pauta nacional. Para alguns, é a chave da eficiência; para outros, uma ameaça à estabilidade. Mas, afinal, por que esse tema causa tanta polêmica?

A resposta está menos no campo da opinião e mais no campo jurídico. O que muitos esquecem é que a Constituição exige uma lei complementar para regular esse assunto. Não basta um decreto, nem uma lei comum. É preciso uma norma com maior rigor de aprovação, pensada justamente para proteger o equilíbrio entre eficiência e garantias do servidor.

O que significa “lei complementar”?

A Constituição prevê diferentes níveis de lei.

  • A lei ordinária pode ser aprovada por maioria simples, com quórum mais baixo.
  • Já a lei complementar exige maioria absoluta, ou seja, mais votos favoráveis.

Esse detalhe faz toda a diferença: se a avaliação de desempenho fosse regulada por uma lei comum, poderia ser modificada ao sabor das maiorias ocasionais. Com a exigência de lei complementar, a Constituição amarra o tema a um debate mais profundo e consistente.

É como se, ao construir uma casa, se exigisse não só tijolos, mas também uma fundação de concreto. A intenção é evitar mudanças frágeis em um tema tão sensível.

Por que a avaliação é importante?

A ideia de avaliar servidores não é em si negativa. Afinal, em qualquer atividade humana, feedback e métricas de desempenho são instrumentos de crescimento.

Imagine um atleta que treina sem nunca ser cronometrado: dificilmente saberá se está evoluindo. Do mesmo modo, o serviço público precisa de indicadores que mostrem se as políticas e serviços estão cumprindo sua função.

Mas a questão é: quem avalia? com quais critérios? com quais garantias de imparcialidade?
Sem respostas claras, a avaliação pode se transformar em instrumento de perseguição, em vez de melhoria.

O ponto sensível: estabilidade e reforma administrativa

A estabilidade é frequentemente apontada como obstáculo para a eficiência. No entanto, seu sentido original é proteger o servidor contra pressões externas, garantindo que ele não se torne refém de interesses políticos.

Por isso, a avaliação de desempenho, quando mal desenhada, pode esvaziar a estabilidade.

  • Se os critérios forem subjetivos, abrem espaço para perseguições.
  • Se forem muito rígidos, podem ignorar realidades diferentes de cada setor.
  • Se não houver chance de defesa, o processo vira um “atalho” para demissões arbitrárias.

É por isso que a Constituição blindou o tema: só uma lei complementar, debatida e aprovada com cuidado, pode regular essa matéria.

Experiências já tentadas

Algumas propostas de reforma administrativa já tentaram inserir avaliações periódicas como condição para manter a estabilidade. A ideia parecia simples: “se não desempenhar bem, perde o cargo”.

Mas esse raciocínio desconsidera que o serviço público não é uma empresa privada. Os objetivos não são lucro imediato, mas serviços essenciais: saúde, educação, justiça, fiscalização. Avaliar servidores apenas com métricas numéricas seria como medir o valor de uma biblioteca apenas pelo número de livros emprestados — sem considerar o impacto real na formação de leitores.

Avaliação e melhoria: caminhos possíveis

Então, como equilibrar avaliação e estabilidade? Alguns pontos são consenso entre especialistas:

  1. Critérios objetivos e transparentes – nada de metas vagas ou números arbitrários.
  2. Participação do servidor – quem é avaliado precisa ter direito de defesa e recurso.
  3. Integração com capacitação – avaliação não pode ser apenas punitiva; deve indicar caminhos de crescimento.
  4. Contexto do setor – não se avalia um professor da mesma forma que um fiscal tributário.

Quando bem aplicada, a avaliação de desempenho pode ser instrumento de evolução coletiva, não apenas de controle.

Metáfora final: o maestro e a orquestra

Podemos pensar na avaliação como um maestro diante de uma orquestra.

  • Se o maestro apenas aponta falhas, sem ensinar o compasso, a música se perde.
  • Se exige perfeição imediata, desconsidera que há aprendizados em andamento.
  • Mas se conduz com critério e clareza, a orquestra alcança harmonia.

Assim também deve ser no serviço público: uma avaliação bem estruturada pode afinar talentos, corrigir dissonâncias e fortalecer a confiança entre servidor e sociedade.

Reflexão final

A avaliação de desempenho não é inimiga do servidor. O problema está em como e com que garantias ela é implementada. Por isso, a exigência de lei complementar não é burocracia: é o freio de segurança que evita que a avaliação seja usada como arma de perseguição ou demissão arbitrária.

O futuro do serviço público pede servidores comprometidos, mas também um Estado que saiba avaliar sem destruir. Avaliar não é punir, é construir.


Fontes

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